3º Ano da guerra
Tecis –
o último bastião do Sul do reino de Orago – erguia-se majestosamente com as
suas altas torres de granito a olhar as chamas vermelhas ao longe.
— FOGO EM AMALID! – gritou o
guarda da guarita.
O sinal
luminoso foi lançado, e as tropas aquarteladas no grande edifício de pedra no
meio do forte saíram a correr para os cavalos. Não eram muitos, mas entre eles
estavam os quatro mais poderosos guerreiros dos Reinos das Montanhas. O
destacamento cavalgou por entre a noite fria, pelas ervas baixas e pela mata
nua, com os generais à frente em cavalos pretos como mandava a tradição. Os
soldados atrás vestiam armaduras completas de aço. Eram todos disciplinados,
treinados pessoalmente pela ceita militar chamada de Warlords. Os quatro generais vestiam elegantes armaduras de aço
feitas à medida, cobertas com um característico manto preto encapuzado, com uma
águia poligonal bordada em cor de sangue no peito.
Por
entre a bruma viam as colunas de fumo ao longe, iluminadas pela luz ardente que
inundava a pequena aldeia de Amalid, na fronteira do reino de Orago, o reino
mais a Este dos dois Reinos das Montanhas, aliados na guerra contra o que quer
que fosse que vinha da Montanha Preta. Hamut e Hera, do reino de Inur’l, ainda
não se tinham habituado a estar em território que antes fora inimigo, combater
ao lado destes, e comer nos seus salões. Mas a guerra, como o amor, não olha a
vontades. Os cerca de cem cavaleiros entraram numa zona de vegetação cerrada,
onde, na noite, uma estrada de terra negra era pouco visível. As estrelas
esconderam-se, e os fogos de luz laranja e amarela, antes tão aterradoramente
brilhantes, perderam-se por entre troncos, e ramos, e folhas.
Uma
explosão de cores atirou a primeira metade da coluna de soldados ao chão, e a
segunda caiu ou perdeu-se por entre a mata ao encontrar tamanha confusão.
Gritos e berros soavam por entre a escuridão. Tochas caíram nas ervas secas.
Rapidamente chamas consumiram a folhagem rasteira, iluminando a cena. Os inimigos
estavam já em marcha para Tecis, e deram de caras com a guarnição aliada.
Figuras negras deformadas, de orelhas pontiagudas, presas enormes, alguns com
asas, outros com compridas caudas, espinhos, e feições infernais que tais. Em
apenas um segundo a batalha estava lançada. Hamut empunhou a sua lança com as
duas mãos e empalou três inimigos de uma vez. Hera rodopiou no ar, atirando
pequenas lâminas que cravaram os peitos de quatro. Arati e Jhoser, guerreiros
que ganhavam batalhas sozinhos, lutavam como que numa dança mortal, cortavam
tudo à sua volta, ziguezagueando por entre soldados aliados e inimigos com
gentileza e astúcia.
Em tudo
a batalha parecia estar ganha, mas mais e mais reforços inimigos chegavam de
Amalid.
—
Retirada! – gritou Hamut.
Sem dar
as costas à batalha, soldados aliados voltaram para trás. Muitos sacaram dos
seus arcos para cobrir a retirada. Arati sacou da sua besta, e Hera da sua
pedra azul, com um estranho símbolo arredondado. No reboliço da retirada,
vários soldados foram mortos. Viam já o fim da mata, correram para campo
aberto. Correram o mais que puderam.
Foi aí que, sem aviso nem
pretexto, o viram. O gigante de que os fronteiriços falavam. O tal, que
destruía os campos, que derrubava portas, que levantava torres, que com um
sopro esmagava soldados e que com um olhar os desalmava. Esse, que estava na
sua frente, um colosso mais que um gigante. Uma criatura de tamanhos
desproporcionais, de grunhidos infernais, e de olhar petrificante. Ao ver
tamanha besta, Hera fechou os olhos e conjurou a sua mais profunda energia.
Todos os soldados ficaram apaziguados, e prepararam-se para o embate. O monstro
irrompeu para a frente, enquanto levava uma saraivada de flechas. Mas ele não
se importou. Pisou um punhado de soldados com o primeiro passo, e mais outro
com o segundo. Aproveitando a abertura, os outros fugiram, mas muitos foram
também apanhados pelo exército inimigo nas costas.
— Faz alguma coisa! – disse Hamut
a Hera
Enquanto corriam – agora de
costas para a ação – apavorados de volta à cidade, ouviam-se gritos lá atrás.
Hera tentava de tudo, para que não parassem de correr. Caiu redondo no chão,
deixando cair a pedra azul. Jhoser apanhou-o e levou‑o às costas até ao forte.
A pedra lá ficou, na lama branca,
pisada e pisada e pisada. Por besta, por homem, por monstro, por espírito, por
fada. Escondida, até que alguém a visse, pegasse, e estudasse.
Até que alguém a usasse, e com
ela dominasse os povos das Montanhas, até que um herói aparecesse, trazendo
promessas de glória eterna, de vitórias majestosas e de paz. Que desse alento
aos Reinos das Montanhas, e eventualmente conquistasse a Montanha Preta de
volta, enxotando os traidores para lá da Floresta de Ant.
No comments:
Post a Comment